quinta-feira, 29 de março de 2012

O Outono do Patriarca

Por Clara Viana
O mundo de um ditador eterno, escrito num monólogo a várias vozes pelo colombiano Garcia Márquez
general de "O Outono do Patriarca" - publicado pela primeira vez em 1975 e que será vendido amanhã com o PÚBLICO - começou a ser perseguido pelo colombiano Gabriel Garcia Márquez em 1958. Era ainda então "uma narrativa conformista e linear, na terceira pessoa" sobre um ditador imaginário das Caraíbas, que sofreu o primeiro assalto na Cuba recém-saída da revolução, quando o escritor, e mais tarde Prémio Nobel da Literatura, no seu papel de jornalista, assistiu ao julgamento de um outro general num estádio sobrelotado. Garcia Márquez soube então que se impunha escrever de outro modo o mundo do seu ditador eterno. Mas isso foi antes de ter sido "tomado de assalto pelo cataclismo de Cem Anos de Solidão".
O general teria, assim, de esperar vários anos mais para entregar o mar do seu país aos gringos. Filho bastardo de uma criadora de pássaros, que se quis a si próprio concebido pela graça divina, que se fez Messias, aclamado pelo povo, e atacado pelo "vício solitário do poder" até o seu próprio compadre serviu ao jantar, o corpo recheado de pinhões e ervas aromáticas.
Mas a ele doía-lhe tão-só aquela "inconcebível maldade do coração com que vendeu o mar a uma potência estrangeira e nos condenou a viver defronte desta planura sem horizonte de áspero pó lunar", como contam os que descobriram o seu cadáver. Numa altura em que o seu poder ganhara já uma existência distinta da do velho que percorria sozinho o palácio presidencial, deixado por conta de vacas, galinhas e cães.
Sete anos de escrita
Muito tempo antes desse longuíssimo Outono em que foi apanhado pela morte numa idade incerta entre os 107 e os 232 anos, a sua mãe Bendición Alvarado, vendo-o, pela primeira vez, de "uniforme de cerimónia com as medalhas de ouro e as luvas de cetim que continuou a usar durante o resto da vida", exclamou "que se eu soubesse que o meu filho vinha a ser presidente da República tinha-o mandado à escola".
Foi um hipotético pai de cinco mil filhos, todos nascidos de sete meses, dono de umas mãos sem mácula de linhas nas palmas, de uns enormes pés chatos e de um também descomunal testículo que lhe encharcou de dor toda a sua longa vida, e cuja segunda morte foi saudada com música, foguetes e sinos, anunciando ao mundo "a boa nova de que o tempo incontável da eternidade tinha finalmente acabado".
Ao fim de sete anos de escrita, Garcia Márquez alcançara o que se tinha proposto e que ensaiara em vários contos escritos com o fito de não repetir a sua obra mais aplaudida, "Cem Anos de Solidão". Como ele próprio confessou sobre este seu livro: "O mais difícil não foi escrevê-lo, mas sim tirá-lo de cima de mim."
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