domingo, 18 de janeiro de 2015

Uma visão antropológica das redes sociais

Escrito por:

  • Ignacio García
 
Em um ecossistema de mercado cada vez mais complexo, hiperconectado e instável, a inovação tornou-se a panaceia da qual as organizações precisam para se adaptar.
Sem entrar na discussão sobre a correta definição do termo inovação, consideramos que, na “sociedade em rede”, a inovação deixou de depender dos gênios e eurekas individuais para ser uma propriedade emergente das redes sociais de colaboração, em todo o seu processo de desenvolvimento e difusão.
Particularmente no Brasil, o conceito de “rede social” está fortemente associado ao de “mídias sociais”. Todavia, este último é um tipo particular de rede social que se estabelece através de canais virtuais de compartilhamento de informação, tais como Facebook, Twitter e LinkedIn.
Já do ponto de vista antropológico, o desenvolvimento de redes sociais pela humanidade antecede, em pelo menos dois milhões de anos, os fenômenos cyberculturais das mídias sociais, pois nosso gênero é definido justamente pela sua capacidade de estabelecer grandes redes sociais entre indivíduos distantemente aparentados ou mesmo desconhecidos entre si. Essa formidável capacidade cooperativa — que as mídias sociais apenas potencializam — nos diferencia do comportamento cooperativo de outras espécies sociais.
As redes sociais são, portanto, condição sine qua non da nossa espécie e transcendem o canal pelo qual se desenvolvem, seja numa comunidade caçadora-recoletora do neolítico ou numa organização empresarial na era da interconectividade.
Finalmente, denominamos as interações sociais que se estabelecem dentro de uma organização empresarial, como “redes organizacionais”, que se estabelecem tanto entre colaboradores quanto entre colaboradores e stakeholders (seus públicos de contato), abarcando todo o ecossistema do negócio.
A administração moderna
Hoje, mais do que nunca, são as redes informais as que determinam como o trabalho é feito numa organização.
Em um contexto que facilita a interconectividade através de múltiplos canais de relacionamento, as organizações engessadas nos seus organogramas formais e míopes das suas redes informais apresentam cada vez mais dificuldades em inovar, pois a inovação emerge das redes de colaboração, sendo elas fundamentalmente informais.





Cada vez mais discursadas no repertório da administração moderna, na prática, as redes informais continuam sendo mal compreendidas e, pior, mal gerenciadas, sendo entendidas, na maioria das vezes, como antiestruturas desestabilizantes do status quo, mais do que uma face fundamental do pulso organizacional.
Na imagem acima, à esquerda, temos o organograma formal, em que os relacionamentos são definidos pela divisão tayloriana do trabalho. Esta rede formal (pois não deixa de ser uma rede) define as unidades funcionais e a hierarquia das relações de comunicação entre os indivíduos que a compõem.
À direita, por sua vez, apresentamos uma das tantas dimensões de rede informal que emergem das interações no dia a dia e que determinam como o trabalho é realmente feito. Com “dimensões” nos referimos ao tipo de relação que estamos mapeando, podendo ser definido como redes de troca de informação, aconselhamento técnico ou de carreira, motivação, novas ideias e assim por diante.
Nas redes informais, a posição estrutural dos indivíduos é dinâmica, pois está definida pelas relações em constante evolução. Neste caso, a função que o indivíduo desempenha já não está determinada pela sua função formal, mas pela sua localização estratégica na rede. Algumas das funções recorrentes dos nossos mapeamentos são:
Influenciador: mesmo sem ser necessariamente um líder formal, possui muitos vínculos diretos com outros indivíduos, podendo influenciá-los nas suas ideias e comportamentos.
Construtor de pontes: chave na inovação e integração organizacional, transcende silos funcionais criando pontes entre subculturas organizacionais
diversas (por exemplo, conectando a área de engenharia com a de marketing). Com acesso a informações estratégicas e não redundantes, o construtor de pontes
pode aumentar drasticamente a capacidade de inovação da organização, reduzindo o “time to market”.
Gargalo: gera uma alta dependência ao concentrar e controlar o fluxo das informações, tornando a comunicação ineficiente e mantendo sua equipe na periferia da rede. A descentralização das suas atividades não prioritárias costuma ser uma solução a este sintoma, comum nas lideranças sobrecarregadas de tarefas.
Periférico subutilizado: não consegue integrar-se à cultura organizacional (e suas redes de relacionamentos), seja por uma fraca socialização ou por incompatibilidades com a cultura dominante. Alinhar os valores e objetivos da organização com os processos de contratação e posterior socialização, torna mais eficiente a qualidade e o timing da integração, ao mesmo tempo que reduz a rotatividade e aumenta o rendimento do trabalho em rede.
Periférico intencional: por sua especialidade ou escolha de vida possui mais relações fora do que dentro da organização. Geralmente são pesquisadores, vendedores ou representantes, cujo foco está fora dos limites porosos da empresa. Saber respeitar o foco das suas relações com o ambiente externo, sem deixar de estimular as conexões com pessoas-chave do ambiente interno, é o que este tipo de perfil precisa para um melhor desempenho em rede.
Revelar a importância estratégica das redes informais não significa tornar obsoletos os organogramas formais, pois estes atingem uma função normalizadora importante. Ao contrário, acreditamos que a chave está no alinhamento e sinergia que estas duas estruturas devem gerar para o desenvolvimento da organização como um organismo vivo.
Momentos traumáticos de reestruturação deveriam considerar a relação que se estabelece dialeticamente entre as redes formais e informais, pois esta impacta fortemente a perenidade organizacional.
Particularmente em processos de fusões & aquisições (F&A), sobram evidências da porcentagem de experiências que não atingem as sinergias esperadas, evidenciando-se como principal causa o choque cultural na hora de integrar as redes informais envolvidas na equação. 
Desvendar os fluxos e padrões das redes informais de trabalho, em sinergia com o organograma formal, possibilita enxergar caminhos para tornar as organizações mais integradas, inovadoras e adaptáveis aos desafios da “sociedade em rede”.

Duas caras da mesma cultura
No final de 2010, a Tree Branding conduziu um projeto de pesquisa pioneiro sobre o mapeamento das redes informais na Vivo, empresa líder no mercado brasileiro de telecomunicações móveis.
O objetivo foi desvendar o capital social da companhia, através das suas redes de trabalho informais, para assim estimular sua capacidade adaptativa e de inovação, atributos marcantes de sua cultura organizacional.
Para tanto, foram mapeadas as redes informais de Cooperação, Energia e Inovação, definidas no Modelo da Pirâmide do Trabalho em Rede® (veja o quadro “Modelo para mapear redes”), envolvendo aproximadamente 620 gestores, isto é, toda a média e alta gestão da Vivo.
Também foram mapeadas centenas de redes de conhecimentos e projetos estratégicos, junto com os principais canais de comunicação (online e off-line) por meio dos quais as diversas redes se estabelecem.
Para a realização desta pesquisa inovadora, contamos com o suporte fundamental do CEO da Vivo na ocasião, da área de desenvolvimento humano e organizacional e de uma estreita colaboração com a consultoria de branding estratégico da Vivo.

Do mapeamento realizado na Vivo, emergiu um claro padrão de comportamento das redes, que segmentamos em três níveis de análise:
1 Macrorredes  No nível das macrorredes, as três dimensões mapeadas apresentam um padrão similar de relações e seguem a disposição proposta no modelo da pirâmide, mostrando uma maior interconectividade na Cooperação e menor na Energia e Inovação.
Na ilustração à esquerda se observa especificamente a rede de Cooperação dos gestores da Vivo, que apresenta a caraterística de um “mundo pequeno”, onde todos os colaboradores (identificados como círculos) se interconectam entre si direta ou indiretamente em uma média de três passos de distância (equivalendo cada passo a uma pessoa).
Desta maneira, uma análise do nível macro da rede de Cooperação constata que a presença de um grande e coeso componente de inter-relações retrata a Vivo como uma empresa que, de fato, trabalha em rede.
2 Mesorredes  Já no nível dos agrupamentos, ou mesorredes, a imagem inferior apresenta a mesma rede de Cooperação, desta vez tratada com um algoritmo que acentua a separação entre os círculos, possibilitando a identificação de agrupamentos dentro do componente único.
Dessa maneira, na parte superior da rede observa-se uma região mais heterogênea no que diz respeito à comunicação entre as diversas áreas, definidas pelas cores dos círculos.
Na parte inferior da rede, observam-se duas áreas majoritárias (representadas pelas cores azul-celeste e verde-claro) que, ainda em contato com o resto da rede, manifestam uma maior homogeneidade de conexões no seu interior.
Particularmente, a área inferior direita, cujos círculos estão identificados com a cor verde-clara, apresenta uma separação mais acentuada do resto da rede. Essa separação foi interpretada como representando mais do que um silo funcional, uma subcultura diferente do resto da rede.
3 Microrredes  Finalmente, no nível individual, ou das microrredes, foram identificados influenciadores dentro de cada área e criadores de pontes entre áreas. A centralidade da maioria desses colaboradores repetiu-se nas três dimensões mapeadas determinando o que denominamos de “efeito de multiplexidade”. A valorização e envolvimento desses indivíduos com capacidades múltiplas de influenciar e criar pontes são fundamentais para estimular a integração entre os silos funcionais, sendo através deles que as subculturas podem ser estrategicamente integradas.
Com este exemplo de mapeamento da dimensão Cooperação é possível vislumbrar o poder da Análise de Redes Organizacionais em geral, e do modelo da Pirâmide do Trabalho em Rede® em particular, para o diagnóstico e gestão estratégica das redes de trabalho na era da interconectividade. 
 
Ignacio García, professor e antropólogo sociocultural pela Universidade de Buenos Aires, é coordenador das Redes Colaborativas de Inovação do Fórum de Inovação da FGV-EAESP, sócio-fundador da Tree Branding Consulting (www.treebranding.com) e da Tree Intelligence Social Analytics (www.treeintelligence.com).
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