Para aqueles que ainda não estão familiarizados com a escrita de Modiano – mas também para os habitués -, “A história de Catherine” (Editorial Presença, 2014) será um excelente ponto de partida, indo ao encontro do que foi dito aquando da entrega do prémio: Modiano exerce, com mestria, a arte da memória.
A partir de um olhar para o prédio defronte, onde se situa a escola de bailado da qual é diretora e também professora, Catherine observa uma aluna – sua filha – que, tal como ela em criança, pousava os óculos em cima de uma cadeira antes de começar a aula de bailado. Não era propriamente algo que estivesse escrito nas paredes ou afixado em qualquer painel, mas a regra era bem conhecida por todos: não se deve dançar de óculos.
Recuamos então algumas décadas, deixando Nova Iorque para viajar até Paris e aos tempos de infância de Catherine, passados com o pai – a mãe ficou na América – no Xº bairro de Paris «numa espécie de armazém com um taipal de ferro.» O armazém era o centro de operações do trabalho muito suspeito de seu pai que, quando questionado por Catherine sobre a sua profissão, dizia que o seu trabalho consistia em tratar de pacotes, movendo-os de um lado para outro.
O sócio do pai, o senhor Casterade, era conhecido em segredo como “o chato”, um apologista de dar lições de moral, recitar poesia maçuda – normalmente a sua – e anunciar, com orgulho enquanto folheava o jornal, todas as catástrofes e crimes que os seus olhos descobriam.
Quando a vida se tornava mais monótona ou cansativa, Catherine tirava os óculos e viajava para longe, descobrindo que o mundo podia ser vivido – e encarado – de diferentes formas, criando uma cumplicidade com o pai que lhe propõe – e ensina a – olhar a vida com humor e otimismo.
Com magníficas ilustrações de Sempé, que tornam esta edição de capa dura num colorido e melancólico álbum de infância – a de Catherine e a do próprio leitor -, Modiano recorda os tempos pelos quais passámos como que dançando num sonho, iluminando uma verdade importante e que, de certa forma, nos confere algum conforto e significado: «Afinal, somos sempre os mesmos, e aquilo que fomos no passado permanece connosco até ao fim.»
via: Deusmelivro