A ideia de que as obras completas de um poeta são um laborioso cenário feito para justificar a possibilidade de alguém se lembrar de alguns versos escassos não encontrou, compreensivelmente, muitos poetas que a subscrevessem. Menos que a imortalidade irrestrita não agrada nem a poetas nem a quase ninguém. Aquilo a que chamamos poesia seria com certeza diferente se os objectivos professos dos poetas fossem parecidos com os de Alexandre O'Neill: acertar «a um verso por ano». E no entanto é desses versos, um por ano no máximo, que nos lembramos, e é o desacordo entre a ideia pouco lisonjeira que do público e dos colegas fazem os poetas e o aproveitamento circunspecto que dos poetas tem o público (mas não os colegas) que constitui realmente o assunto da história da poesia. Quando o poeta francês Stéphane Mallarmé observou que todas as coisas deste mundo existem para irem dar a um livro, prudentemente não indicou quem escreveria tal livro. Mas estava a sugerir que a maior parte deste mundo é o lixo desse livro.
O primeiro poema de Alexandre O'Neill de que me lembro estava justamente num caixote de lixo. Por volta de 1970 ou 71, a descer o Parque Eduardo VII em Lisboa, afixado no lado exterior de um caixote de lixo amarelo, podia ler-se:
Subamos e desçamos a Avenida,
Enquanto esperamos por uma outra
(ou pela outra) vida.
Enquanto esperamos por uma outra
(ou pela outra) vida.
Miguel Tamen -in, Alexandre O` Neill, Poesias Completas, ASSÍRIO & ALVIM, Lisboa, 5ª edição, 2007