O jornalista
José Carlos Barreto lê «Tríptico», um poema de
Herberto Helder.
Não sei como
dizer-te que minha voz te procura/e a atenção começa a florir, quando sucede a
noite/esplêndida e vasta. Não sei o que dizer, quando longamente teus pulsos/se
enchem de um brilho precioso/e estremeces como um pensamento chegado.
Quando, iniciado o campo, o centeio imaturo ondula tocado/pelo pressentir de um
tempo distante, e na terra crescida os homens entoam a vindima - eu não sei
como dizer-te que cem ideias, dentro de mim, te procuram. Quando as folhas da
melancolia arrefecem com astros/ao lado do espaço/e o coração é uma semente
inventada/em seu escuro fundo e em seu turbilhão de um dia, tu arrebatas os
caminhos da minha solidão/como se toda a casa ardesse pousada na noite.
- E então
não sei o que dizer/junto à taça de pedra do teu tão jovem silêncio. Quando as
crianças acordam nas luas espantadas/que às vezes se despenham no meio do tempo
- não sei como dizer-te que a pureza, dentro de mim, te procura. Durante a
primavera inteira aprendo/os trevos, a água sobrenatural, o leve e
abstracto/correr do espaço -
e penso que
vou dizer algo cheio de razão, mas quando a sombra cai da curva sôfrega/dos
meus lábios, sinto que me faltam/um girassol, uma pedra, uma ave -
qualquer/coisa extraordinária. Porque não sei dizer-te sem milagres/que dentro
de mim é o sol, o fruto, a criança, a água, o deus, o leite, a mãe, o amor, que
te procuram.